Tony das Letras (Tony Revisor)
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Textos
Um monstro no divã
Um monstro no divã

Autor: Tony R. de M. Rodrigues
São José, SC, 07/06/23 - 23h39.

I

Num banco cômodo do shopping eu sentei
e à minha mãe, fazendo compras, pus-me à espera,
mas de repente em mim prostou-se alguma fera
com muita dor, muito pesar, eu pouco sei,

só sei que foi me angustiando um sentimento
de que eu havia sido para sempre abandonado
por quem um dia havia alegre me gerado
e então busquei frear a minha mente um momento,

mas nem deu tempo de estudar com temperança
a conta, a origem da catarse, a causa!
(e sei que a Deus chorei como a mais órfã criança).

Para manter alguma paz, eu entrava
já conferindo, ansioso, onde a mãe estava
e só com a mão em sua mão eu tive pausa.

II

Na minha mente um temporal anuviou-se
de nuvens negras, da escola bem acima,
em que meu pai me entregara, a disciplina
começaria em instantes. Tudo foi-se

tornando ferro distorcido e monstros rindo
ao meu redor, e eu não era bem-vindo
naquela sala em que todos, estudando,

não tinham medo de serem abandonados
mas eu e Cristo estávamos do mesmo lado:
meu pai voltou e para casa fui andando.

Curioso é que, desde muito cedo,
eu sempre tive um sentimento horrível
de que, por mais idoso, era impossível
fugir de um destino que me dava medo:

III

tornar-me um solitário e problemático
mendigo da cidade, que deixara,
p'ra trás o seu caminho mais fantástico
por causa de alguém que o abandonara.

Achei naquele shopping uma verdade:
é o medo do abandono que alimenta
a força dessa minha Ansiedade.

Após o choro calmo estou - e me convenço
que em meio ao povo, estar sozinho é liberdade
e abandonado nunca estou se venço.

Naquele shopping, também pude ver
que uma cegueira a todos tomava
porque ninguém se deu ao luxo de dizer
algum provérbio enquanto eu chorava.

IV

Eu era máquina, engrenagem, louco
parafuso que se soltara de um sistema
em que clamar a Deus é muito pouco
mas muita atenção rende um poema.

Lágrimas caíam e eu me sentia indo
para um universo invisível, onde
ninguém ao outro vê e em vão esconde

o seu histórico, que no andar de cima
serve de mote para oficinas
e no andar de baixo é sempre bem-vindo.

Acho que Deus há muito fez sua parte
e agora resta, ao bom poeta, a arte
de ver o mágico da festa aos prantos
porque ninguém entende mais o encanto.

V

A melodia das sereias, hoje,
dos naufragados e marujos foge
porque feitiços também têm as almas
que continuam, a cada dia, calmas

Com sangue de barata e intranquilos sonhos
não me quero desperto embaixo de marquises
por ter nascido humano, com deslizes

que facilmente hão de se resolver
enquanto em minha escola houver o velho monstro
que assusta abandonados, mas farei chover:

o temporal há de se dissipar
e em seu lugar o que eu quiser colorir
colorirei com novos versos, para rir,
enquanto eu mesmo não me vier buscar.
Tony Roberson de Mello Rodrigues
Enviado por Tony Roberson de Mello Rodrigues em 08/06/2023
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